sábado, 29 de agosto de 2009

O QUE SOMOS? QUAL A CONCEPÇÃO ATUAL DE HOMEM?





O homem antigo, clássico, buscou uma explicação cosmológica para si e uma definição natural, social, uma concepção contemplativa, afastou-se dos mitos, buscou uma naturalização de sua origem e com isso modelou sua sociedade pelas leis da natureza.
Mas, veio a Idade média, e com ela o cristianismo. Novamente o homem se volta para o mito, só que desta vez um mito estilizado, vestido de onipotência e sem necessidade de explicação: O homem era agora apenas uma criação e a natureza não é mais sua origem é uma dádiva do seu criador, não há mais o que descobrir, Deus revela toda origem do homem, através dele próprio feito homem, tudo foi revelado, escrito e anunciado: O homem é a imagem e semelhança de seu criador, esse mundo, a natureza, são dádivas do criador para deleite de suas criaturas superiores. 
No entanto o homem moderno separou a razão da emoção. Afastou Deus, reduziu-o a uma crença, destituiu-o de sua capacidade de criação, colocou-o na dimensão dos delírios e dos sonhos. Elegeu a ciência como guia imparcial, livre de interferências, pura, material. O homem é agora ele mesmo seu construtor e a natureza seu material, sua matéria prima, a qual ele pode manusear a vontade, pois a ciência é capaz de produzir e reproduzir tudo que o homem necessita inclusive a natureza.
Kant(Crítica da Razão Pura) e Schopenhauer (O Mundo Como Vontade e Representação) reduziram a possibilidade de conhecimento aos fenômenos. A razão já não é suficiente para guiar o homem e a realidade é apenas uma representação.  Marx nos acena com uma historicidade dialética, construída na necessidade produtiva, não somos criadores da história e sim produto dela e ela mesma é fruto da produção. A ciência não é pura, a sociedade não é produzível. Tudo se conecta. Tudo se relaciona. Frases e conceitos que se chocam e se entrelaçam, se interligam e se separam... Afinal, o que somos? Modernos? Pós-modernos ou não modernos? Ou como nos diz Latour: “Nunca Fomos Modernos”?
                Talvez seja mesmo verdade esta afirmação de Latour. A modernidade nunca existiu de fato. Talvez seja apenas um desejo, uma utopia. Não existe realmente uma ciência pura, uma sociedade pura. Uma faz parte da outra, não há razão pura e nem espírito puro, o que existe é mesmo uma construção mista de razão e emoção, de sonho e realidade, de vontade e realização, de subjetividade e objetividade, de racionalidade e intuição. O homem na verdade se movimenta de um extremo a outro e só assim pode se completar como  “ser”. É dessa relação nem sempre harmônica, nem sempre antagônica, que o homem contemporâneo poderá se definir. É a partir dessa mistura, dessa compreensão dos opostos modernos como sendo, em vez de opostos, co-relacionados, interdependentes, que pode surgir um conceito que possa abranger a pluralidade cultural, a natureza, a ciência, os instintos.
                Talvez, neste momento, esteja surgindo o homem na sua expressão mais natural. O homem que é capaz de se compreender como parte e como individuo de um universo, sem ilimitações racionais e nem amarras espirituais. Um homem que se compreende humano, com uma razão limitada pela sua percepção sensorial e dependente de seus instintos mais naturais. Um homem que não pode tudo fazer, mas pode tudo querer. Um homem sem Deus, mas um homem com mitos ( mitos no sentido de ideais, como nos mostra Nietzsche, em Ecce Homo). Um homem que não é moderno e nem muito menos pré-moderno é um homem contemporâneo que compreende que a modernidade não existiu, foi um período de relações antagônicas, radicais, extremadas que desembocaram em revoluções, divisões, oposições, dualismos e neste estado de coisas insustentável. Estado esse que desenhou, projetou, esboçou esse homem que agora começa a tomar forma, contornos definidos: Ele começa a aparecer como um homem que não rejeita a ciência, mas que também não se deixa mergulhar numa espiritualidade cega. Esse desenho de homem aponta para  um homem plural, que vai de um extremo ao outro sem necessidade de conflitos, de antagonismos, sem confrontos ideológicos, sem certezas. Um homem capaz de compreender a diversidade cultural. Um homem que se liberta do dogmatismo, seja cientifico, seja espiritual. Um homem que se compreende indivíduo pleno, independente, único em sua existência ( como coloca Heidegger, em “ser e Tempo”), incapaz de se revelar ao outro, mas, e principalmente por essa impossibilidade de comunicação, compreende também o outro, é capaz de conviver sem reservas, sem preconceitos, sem julgamentos. Um homem que sabe que a ciência não pode reproduzir tudo, produzir tudo, mas entende que é possível avançar cientificamente. Um homem que compreende a natureza como mantedora e não como serva. Compreende que a natureza pode descartar o homem, mas, sabe também, que o homem pode destruir a natureza, suas forças são equivalentes no que concerne a destruição de ambos.
                Diante desse esboço rápido e superficial eu me proponho, mesmo correndo o risco de ser chamado de pretensioso, de tentar nomear esse homem que se aproxima, de lhe dar uma definição: Eu o chamaria de Homem, simplesmente. Ou seja, eu coloco  o homem como tendo atingido a sua potencialidade. O homem finalmente chega a sua origem e seu fim. Ele nada mais é que o produto de si mesmo, o resultado de sua compreensão de si mesmo, não é o “conhece-te a ti mesmo” socrático, é o compreender-se mesmo, saber-se humano, saber-se finito e limitado e que só a humanidade pode ser eterna. É essa compreensão que faz do individuo, apesar de único, saber-se dependente do coletivo. Esse é o homem.
Manoel Nogueira da Silva


Um comentário:

idade_da_pedra disse...

Eu espero mesmo que ainda haja muita coisa para conhecer e entender no homem, muita evolução racional, emocional, espititual... espero que este não seja ainda o Homem na plenitude das suas potencialidades, porque senão considero-o uma espécie muito fraquita e parece-me a mim que mais valia ter ficado pela idade da pedra.
Maravilha-me neste momento a evolução no conhecimento da neurociência, do pensamento humano mas sobretudo o do pensamento de outros animais, daqueles que chamávamos irracionais...
E olha, não me parece nada que o homem seja tão capaz de destruir a natureza como ela é capaz de o destruir a ele. O homem conseguirá talvez dar cabo do planeta terra, isso fá-lo com uma velocidade impressionante. Mas a terra é um pedacinho tão pequenino da natureza, que a sua destruição seria irrelevante para ela.
Se ao falares da natureza, estavas a querer referir-te à Vida sob a forma como a conseguimos entender e captar, essa talvez seja passível de ser destruída pelo homem. Mas enfim, mais uma vez a Vida que conhecemos é provavelmente uma porção ínfima da Vida do universo.
Saudações lusitanas :)