domingo, 28 de novembro de 2010

SOBRE A SOBREVIVÊNCIA DO CAPITALISMO.


        Não existe liberdade na anarquia. O ser humano busca harmonia, ordem, sentido. Não existe sociedade sem estado e nem estado sem sociedade. Tanto Marx quanto Hegel, tem razão e estão errados. Se Marx anseia pela supressão do Estado, Hegel visa a superação da sociedade. Nenhum chegará a lugar algum. Sociedade e Estado são um e uma única coisa. Qualquer evolução na moral humana tem que acontecer dentro desse movimento dialético das relações sociais e políticas.

         Marx não ignora a liberdade, muito pelo contrário, a liberdade está na auto regulação, na autogestão da sociedade. O comunismo como imaginado por Marx, é a realização da liberdade, a objetivação do homem a verdadeira universalização. Assim como o Estado para Hegel é absoluto. No entanto, não se pode separar estado de sociedade. Esse é fundamentalmente um erro de Marx, ele entende a sociedade como relação produtiva e não como relação afetiva, emocional. Ele faz da sociedade (relações de produção), o que Hegel faz do Estado, só que Hegel concebe uma teleologia, um fim em si mesmo para o estado. O trabalho em Hegel é um mediador, para Marx é um fim.

         Marx concebeu o trabalho do "comunismo" com o único fim de suprir a necessidade. A sociedade é mera relação e não realização do homem. O homem se realiza no trabalho. As relações produtivas são as bases da sociedade e todas as outras são derivadas delas.

          Marx pode até está certo, sua análise histórica é brilhante, concordo, sua visão do todo é clara e ele captou com maestria a essência do capitalismo. Porém, é no momento de projetar um futuro, de conceber uma nova visão de mundo, que ele, como todo e qualquer teórico, parece esquecer que não se muda uma sociedade e sim o indivíduo. Um coletivo não tem consciência, não tem subjetividade, não age por si mesmo, não atua por si só. Não existe coletivo, universal sem individuo, e não existe individuo sem individualidade, singularidade, particularidade, desejo e vontade. Não se muda uma cultura sem aniquilá-la, exterminá-la.

             Para que houvesse uma mudança nas sociedades seria necessário, não simplesmente a classe operária tomar o poder, seria necessário aniquilar todos os remanescentes do sistema anterior e exterminar todos os seus rivais e simpatizantes. Como fizeram os colonizadores da América com os Astecas, Maias e Incas. Com os índios brasileiros e os americanos. Não se impõe uma cultura "naturalmente". Não se substitui uma sociedade apenas com uma revolução que tome o poder. É necessário dizimá-la.

             E, acredito que Marx sabia disso, tanto que propôs um período de "transição" que seria a "ditadura do proletariado", ou seja, o tempo necessário para que todos os inimigos do sistema fossem eliminados. Por isso todos os sistemas baseados nessa ideologia fracassam. Não se pode matar em massa na conjuntura mundial de hoje. O mundo não é o mesmo de 600 anos atrás.

           Como diria o meu caro amigo Marco Aurélio, profundo conhecedor de Marx e admirador de sua filosofia: Apenas uma bomba atômica, um caos total e generalizado que eliminasse toda e qualquer organização social, política, econômica e cultural, seria capaz de dar ao mundo (ou ao que restasse dele e se restasse) as condições necessárias para uma nova organização social e produtiva do homem.

           No meu entender, existe algo que todos devem ter percebido claramente e se não perceberam deviam perceber e compreender: não se pode prever o futuro. Podemos baseados em indícios, análises das condições, tendências, projetar uma possível reação futura. E nada mais. Por isso, não adianta o filosofo, economista, cientista político, social, pensar uma reforma do mundo e projetar isso como uma realidade concreta, certa e possível. Somos seres de vontade e vontades diversas, conflitantes, antagônicas.
          
           As mudanças só se dão diante da inevitabilidade, da necessidade indiscutível e não dos desejos e das vontades. Todos os seres humanos, com certeza desejam um mundo melhor, uma sociedade mais justa e harmônica, essa indubitavelmente, deve ser uma vontade universal. Todos querem ser felizes e viver bem, com qualidade, conforto. O problema é que para que todos realizem esses desejos universais, temos que passar cada um de nós, por necessidades particulares. E, cada indivíduo tem que satisfazer necessidades diferentes para realizar esses desejos universais.

          Portanto, como sugere Maquiavel, para se manter no comando e garantir uma certa harmonia, os governantes precisam ter "virtú", ou seja, conhecer a realidade e a história e se preparar para mediar o que a deusa "fortuna" nos trará, pois homem nenhum, por mais sábio que seja, e por mais conhecimentos que tenha, será capaz de prever o futuro. No máximo antecipar efeitos que as causas presentes e passadas lhe apontam. E ai sim, terá certa vantagem sobre os demais. É assim que acontece com o capitalismo, como sistema econômico, não projeta um futuro, constrói a partir das suas experiências e, conforme suas necessidades vão surgindo, ele vai se adaptando, mediando, ajeitando-se, aqui e ali, sempre nesse movimento, na iminência de ruir e sempre se superando.

         Diferentemente do que deseja o relativismo, a solução não parte da tolerância, da solidariedade, eu penso que a solução se dá, necessariamente pela economia (e aqui me aproximo de Marx), por que apesar dessa exploração do individualismo, do egoísmo natural do ser humano, pelo capitalismo, e talvez por isso mesmo, ele é sem dúvida, autofágico. Não há como negar a tendência do capitalismo de auto se destruir. No entanto, também é inegável a sua capacidade de manutenção e adaptação as condições adversas criadas por ele mesmo. O capitalismo que fala Marx, por exemplo, nem de longe é o capitalismo de hoje. O capitalismo de hoje sobreviveu as duas grandes guerras, a guerra fria e ganhou, em diversos países, nuances socialistas, afastou-se do liberalismo, e se equipara ao comunismo stalinista, com estados gigantes e políticas paternalistas, assistencialistas.

                Se observarmos a conjectura atual, perceberemos que a tendência mundial da economia é para uma efetiva globalização econômica (os blocos econômicos, as associações internacionais de comércio, etc), para isso, se faz necessário, também, certa globalização social e política. Ou seja, para que o capitalismo sobreviva e certamente sobreviverá, as sociedades e as culturas se integrarão, as diferenças diminuirão e certamente haverá certa harmonia mundial. No entanto dado ao caráter, já enfatizado, da autofagia do sistema capitalista, fica impossível supor uma estabilização, um equilíbrio entre pobreza e riqueza, trabalho e exploração.

         De qualquer forma, Marx não previu em que época se daria essa implosão do capitalismo, portanto seus discípulos continuarão, século após século, a adorar e, a cultuar essa previsão. A minha pergunta é, se isso acontecer, qualquer sistema que surgir a partir dessa implosão, não será uma metamorfose do próprio capitalismo?

Manoel N Silva