segunda-feira, 18 de abril de 2016

CRÔNICA DO ABSURDO II



Meu olhar é sempre um olhar mais amplo, abrange sempre a maior paisagem possível, não consigo me ater a uma pessoa, uma situação, um objeto, uma cena, uma sala... enfim, devo parecer aos que me olham e nos lugares onde estou, que não presto atenção as pessoas, ou as coisas, e que não me interesso por elas ou pelo que dizem. Mas, ao contrário, sempre presto atenção a tudo, a questão é que meu foco é sempre o todo, não consigo ver protagonismo e nem individualidade. No meu apreender da realidade, esta é sempre composta de tramas complexas, de relações inúmeras e imbricadas. Uma malha de pequenos gestos e falas, atitudes e ações, cujo sentido só existe em seu conjunto, como um organismo que se completa em suas partes. Muito embora essas partes parecem distintas, desligadas e sem nenhuma razão entre si, meu olhar não se conforma e passeia ao redor em busca dessas conexões, até que, como num quebra-cabeças, cada peça vai se encaixando e formando a paisagem geral, revelando um sentido, que nem as partes, muitas vezes, descobrem.
Talvez seja mera pretensão, mas, o fato é que, quase sempre o que eu vejo, cedo ou tarde se revela também aos outros, se não totalmente mas em agrupamentos maiores, mais abrangentes e conectando várias partes dantes “dispersas”. Essa minha percepção holística sempre foi-me de grande valia, pois me possibilita transitar entre essas partes com a segurança de quem sabe onde ir e o que fazer, ás vezes penso que essa posição é quase divina, outras que é também maldita, visto que é perigosa e decepcionante.  
Vejam bem como funciona, é quase uma visão de futuro, visto que certas ligações, a maioria, só vão ser percebidas pelas partes, depois de um tempo, quando as peças vão se encontrando, tornando claras essas configurações.  É muito triste quando encontro alguém que tem certeza de que algo vai acontecer e, agarrada a isso, aposta tudo nessa certeza e, eu, já vendo as conexões compreendo o erro e nada posso fazer, visto que jamais seria acreditado e com razão, pois dito naquele momento, pareceria loucura.
É também verdade que um bom número de vezes eu também perco as ligações e me deparo com um cenário que eu jamais poderia imaginar aconteceria, meu consolo é que compreendo isso, aceito essa minha deficiência de percepção, busco olhar mais longe, vasculhar ao redor, sempre que me encontro preso em uma visão dispersa, vazia de sentido e rumo.
Mas, devo dizer que dentre as tantas vezes em que assim me senti, sem ser capaz de perceber o sentido do todo, sem compreender a razão do momento, foi neste processo de impedimento, nesses instante político que vivemos, que eu estou me sentido desconectado e sem visão sequer de uma parte maior que esta que se me apresenta imediatamente, sem possibilidade de previsão ou apreensão. É uma realidade que se apresenta pronta, sem previas ligações e consequentes que apontem o sentido, a razão, a racionalidade, nela contida!
Olho ao meu redor, vasculho todos os cantos, busco as pontas, os fios, as linhas, os arremates e nada...só me deparo com o irracional, o sem sentido, o absurdo. Um vazio kafkiano, uma irracionalidade total, estou me sentindo o próprio Agrimensor K., na trama do livro “O Castelo” ou Joseph K. no “O Processo” é algo angustiante e nunca tinha sentido antes. É como jogar pedras e elas flutuarem ou está vivendo em um daqueles pesadelos em que você corre, corre e não sai do lugar... Me sinto estranho, estrangeiro na minha própria casa, conheço todos os lugares, cada objeto, cada canto, cada quarto, cada aranha, cada teia por elas tecidas, os insetos, as lagartixas, o cheiro das coisas, a luminosidade de cada hora, o som das portas que se abrem ou se fecham, mas nada faz sentido, por mais  compreenda como tudo  deveria se encaixar, que preveja como vai acontecer, o instante que se segue é uma total negação dessa visão, o que me chega é uma fotografia desconhecida, os atores são os mesmos, a trama é a mesma, mas o resultado é totalmente absurdo.


Manoel Nogueira 

Nenhum comentário: