terça-feira, 29 de março de 2011

RETALHOS DA MEMÓRIA II







Dia de apanhar caju..

            Que beleza! Deitado na rede eu exclamo! Amanhã é dia de apanhar caju...! Adormeço com o doce desejo e o gosto da fruta.

           São 4 horas da manhã, vovó me acorda e me agasalha com um casaco doado pelos EUA... Ainda está escuro, as estrelas brilham e piscam sob meu olhar de sono e frio...

           Logo vêm Maria e Cilinha, Matilde, Neguinho e Francinete, na porteira nos acompanham ,Dimar e Dimilson... Já levanta a barra o sol, e já não é de sono meu olhar, ele agora é de brincar, pular e correr...
           
          Já somos muitos, as mulheres e as crianças (Os homens e os moços foram a pesca)! 
- Olha a “rodagem”! 
- Cuidado! 
- Espera! 
- Olha o Caminhão!!!
         
        Chegamos a Quinta de Guilherme, o portão aberto, o “Mouco”(como era conhecido Guilherme), sentado na sua cadeira de balanço, pitando seu cachimbo de barro, acena e nos sorri...
    
        Lá vamos nós por entre a infinidade de cajueiros, o chão se faz multicolorido pelos frutos caídos...Fazemos a festa, chupamos cajus como pequenos leitões famintos e felizes, chafurdando na lama colorida, as barrigas cheias de nódoas do vinho doce que escorre pelos cantos das bocas... 

         Dias que não me canso de lembrar!

Manoel N Silva

RETALHOS DA MEMÓRIA I



 

O Beco da Baixa de Maria de Artur...

              Entro numa pequena vereda entre a cerca de Artur e a cerca da Baixa de Maria de Artur, os sapatos afundam na areia branca que denuncia a proximidade do rio, a vereda se alarga e se faz um beco de mais de metro e meio de largura. A minha frente surge como num passe de mágica, um cajueiro e uma porteira, paro, abro a porteira, e atravesso o tempo! 

             Saio em frente da casa de Tio Antônio Leite, onde uma ladeira leve, coberta de capim, desce tranquila até a praia, grito por Edmar e Edmílson e eles afloram da minha lembrança, corremos juntos até o pequeno barco de seu pai e navegamos nos meus sonhos, pelo Jaguaribe de minha infância, vamos até o outro lado, pegar caranguejo e tirar sururu... Levanto os olhos e o sol já foi, sinto o frio da realidade e o incomodo da areia no sapato!



Manoel N Silva

sábado, 5 de março de 2011

ATÉ QUE EU GOSTO DAS CANÇÕES DO LEGIÃO...



Renato Russo é um retrato em preto e branco da juventude brasileira classe média pós ditadura militar. Jovens com um nível de escolaridade elevado, falavam mais de um idioma( geralmente inglês) e que sem alternativas ideológicas, cultuaram seus medos, seus conflitos morais, a sexualidade exagerada e vomitaram de formas diferentes essa agonia sentimental...Alguns genialmente e debochadamente(Cazuza), outros artisticamente perfeitos (Para-lamas) e outros confusamente, perdidos transitando entre o "bem" e o "mal", Renato é um desses, sem se aceitar, crucificado entre a fé e a sexualidade, esse conflito se reflete nas suas canções...
Essa é a cara da geração deles, não adianta querer buscar no lixo perolas, são as somas das condições históricas e sociais, o contexto das suas vidas. Uma geração vazia, cantada por ela mesma como uma geração vazia, “geração Coca-Cola”, Macdonald, sem ideologias, tomando emprestado de seus pais, ex-revolucionários  que se tornaram burgueses, os poucos ideais que sobraram, embalados pelas histórias do papai, da mamãe, dos seus amigos "coroas": velhas “bixas” desiludidas,  feministas donas-de-casa em tempo integral, velhos “maconheiros” perdidos... Apenas espelhos refletindo as  lembranças e os desejos de outra geração que fracassou nos seus anseios!
Escutem os gritos que essa geração soltou no ar, se não são obras primas, são, no mínimo, os gritos agonizantes de garotos perdidos e sem guias, sem heróis, mergulhando em overdoses de sexo, droga, ansiedade e medo!!!
Apesar "dos discursos não corresponderem aos atos", não é mentira que a piscina dos velhos revolucionários "está cheias de ratos", e atos simbólicos, de queimar bandeiras e cuspir em estandartes, não diferem de tolas canções de ninar para "anjos jogados no mar"...
Acho que esse vazio de qualidade tem muito mais a dizer...

Manoel N Silva

sexta-feira, 4 de março de 2011

SOBRE ARTE...



Quando fazemos arte não estamos construindo conceitos. Não pensamos nas palavras, nos fonemas, nas figuras gramaticais, pelo menos eu, quando tento fazer uma poesia, penso nelas apenas como pinceis e tintas, cores e tons. A palavra não é o que ela representa e sim parte dessa imagem percebida pelo artista. A arte é uma percepção pura, imediata, o artista apenas a sente, vê, sem nenhuma mediação, portanto esta percepção é irracional, intuitiva, porém o resultado dessa tentativa de reproduzir isso, a poesia, não chega sequer a refletir um nebuloso retrato ou pintura dessa percepção pura, é imperfeita e racional!

Quando me perguntam se a arte não poderia ser direcionada para apenas um sentido, digo que a essa possibilidade eu me oponho, pois seria querer adaptar a arte as limitações particulares. Não descarto jamais que pessoas com limitações sensoriais possam apreciar a arte, no entanto, jamais poderia pensar uma arte exclusivamente para um sentido especifico. Não seria arte, perderia a sua característica fundamental que é a universalidade de sua compreensão.

Que fique claro que quando digo que não imagino uma arte especifica para um sentido, não estou com isso dizendo de uma impossibilidade de ser o artista limitado, ou seja, nada impede que uma pessoa cega seja um escultor, ou que um surdo faça musica... Isso é da natureza da arte e do artista, romper limites, ser universal no seu resultado final: a obra de arte!

É o limitado que precisa buscar em si mesmo a ampliação de sua percepção. Arte não pode ser dirigida, direcionada, ela é uma percepção pura, irracional, instintiva, quando adaptada é um conceito e não uma obra de arte! É assim que entendo arte! 

Se essa busca partir do limitado e não ao contrário, como sugerem alguns, a arte pode ser expressa até por uma pessoa que tenha apenas um sentido. Não há limites para tentar expressar essa percepção pura que alguém tem. O que eu não vejo e acho que qualquer um que realmente pense arte como uma percepção e não somente uma criação da mente, uma construção da imaginação, é a possibilidade de tentar, sendo o artista completo em seus sentidos, produzir uma obra apenas para um sentido, ele não faria arte, faria qualquer outra coisa, pois a arte, como aqui colocada, entendida como uma percepção, é apreendida por todos os sentidos que o sujeito dispõe e só pode ser expressa por esse sujeito se for através de todos os sentidos, pois assim ele a percebe. A música, por exemplo, não é percebida apenas pelo ouvido, o corpo a sente, musica "vibra" se propagada em ondas e é capaz ate de quebrar cristais...

Portanto é possível ao tato sentir a musica, assim como surdos podem dançar ao som das "ondas" que a musica, provoca... E, qualquer outra expressão artística sempre será sentida por todos os sentidos. Basta que aquele que tem limitações se esforce no sentido de percebê-las.

Arte não é uma técnica é uma tentativa do ser humano de repetir uma emoção sem racionalizar. É a capacidade de fazer isso, de se aproximar dessa percepção, que se diz se existe um artista e se este produziu, na sua tentativa, uma obra de arte.

Dizem que existe uma arte digital, apenas possível pela visão e pergunta-se, se não é essa modalidade expressiva (digital) uma adaptação da arte. Eu digo que não e sim uma expansão das ferramentas que o homem utiliza para tentar reproduzir esta percepção pura. Portanto não é a arte se adaptando a tecnologia é a tecnologia servindo para ampliar a capacidade de expressão humana da arte!

Pessoas, artisticamente falando, medíocres, sem nenhum talento, ou pouco talento, no entanto inteligentes e criativas ansiosas de serem reconhecidas (como todos nós, diga-se de passagem) buscaram alternativas, criaram técnicas, encontraram na realidade materiais e matéria para suprir suas carências de talento, a falta da capacidade de expressar a percepção imediata e, baseando-se nos verdadeiros artistas e nas suas obras, tentaram construir obras alternativas, mas, sem a universalidade que a arte mesmo, essa que não tem escola e nem técnica, que brota do artista como fosse parte dele e que não precisa de nenhuma matéria ou material especifico da realidade para se realizar( um pintor pinta com tinta ou carvão, um escultor esculpe em pedra ou areia, batata, sabão, seja onde for possível, um compositor tira música até de panela...).

Por isso qualquer "arte" que necessite especificamente e exclusivamente de matéria para ser produzida, não é arte, é técnica, criatividade, artesanato! Ou, em muitos casos, pura charlatanice e esperteza!

Arte é simplesmente, o artista não pensa na sua arte, não cria, no sentido de construir mecanicamente algo, ele apenas tenta reproduzir algo que percebe. Muitas vezes nem entende o que produziu, ou só compreende depois de pronto!

Dizem os grandes entendidos de arte contemporânea, que a arte tem que está conectada com a realidade, refletir a realidade, os problemas sociais, etc... Mas, a meu ver, essa conexão nada tem com arte, e sim com ideologias, economia, sociologia etc. Quem quer dar a arte sentido politico-social-econômico é que inventou essa ideia de conexão da arte com a realidade. Arte, ao longo da história é para contemplação, encontro com o "belo" e não movimento social. Quando a arte se presta a ser particularizada, perde seu sentido e vira pura propaganda ou artigo de consumo. 

Essa conexão, na sua essência mesmo, serve apenas para criar nichos de mercado. Se pregarmos como exemplo essa musica que se faz hoje e que ha muito deixou de ter qualquer vínculo com arte, ela é pura mercadoria dirigida, criada não a partir do artista e sim do publico alvo, o mercado a que ela se destina.

Essa vinculação, esse direcionamento, eu não vejo como arte e sim um processo tecnológico, onde são produzidos objetos de consumo, ou redefinidos a partir de uma visão estética dirigida, onde não há realmente arte! Mesmo porque, não foi a arte que foi redefinida em seus conceitos, e sim novos conceitos produziram outra coisa e não arte como originalmente concebida e entendida aqui. Não foi uma evolução conceitual, uma abordagem contemporânea da arte e sim uma tentativa de criação de outras coisas ou a inclusão de outras técnicas no âmbito da arte. Uma tentativa de ampliar a abrangência do que geralmente se concebia por técnicas, artesanato, expressões mais universais de certas habilidades particulares, mas, repassáveis, ensináveis independentes de talento inato, e incluí-los numa categoria de arte, criada por outros conceitos do que é arte, já que arte, na sua concepção original não poderia abrigar tais processos. Enfim, uma extrapolação do conceito de técnica, uma transcendência dos processos mecânicos!

Dessa forma concluo dizendo que eu nunca dei a arte qualquer utilidade senão a beleza, a contemplação, a tentativa de expressão do belo apreendido, sentido puramente. Quem quer da utilidade a arte é a economia. Na minha compreensão o valor da arte não está na sua utilidade! A obra de arte não é ferramenta, alguns pretensos artistas e que querem dá as ferramentas status de arte!

Arte, repito e reitero, “é” simplesmente!

Manoel N Silva