O Muro
( foto: Vladimir Kush)
Esta é uma incursão no conto O Muro, que dá nome a coleção de narrativas
que rendeu o Nobel da Literatura a Jean-Paul Sartre, em 1964, e o qual ele
recusou. Nesta obra o existencialismo,
a consciência do eu e do mundo em redor, se coloca mais que evidente, o absurdo
se revela nas situações vividas por personagens que lutam por se encontrarem e
por enfrentarem o seu destino e a falta de sentido da vida, desmascarando a
completa impotência humana diante de suas próprias escolhas. A liberdade esmaga
o desejo e despe todas as emoções do homem, deixando a mostra e escarnada, a
real condição humana.
Tendo
como cenário uma cela úmida, escura e gelada, desenrola-se a trajetória de três
homens feitos prisioneiros. Tom Steinbock, Pablo Ibbieta e Juan Mirbal, suspeitos
de agressão aos falangistas, estão presos no porão de um hospital semidestruído
pela guerra civil, a espera de serem fuzilados.
Pablo
Ibietta, impotente diante do destino imposto pelos inimigos, nos conta sua
trajetória até ali, revelando-nos uma história tensa, sobrecarregada, lúgubre plena
de emoções genuinamente humanas.
Aos
poucos vamos adentrando nesse mundo descrito com emotividade acentuada, as
passagens são lentas, longas, refletindo o pavor vivido por Ibietta. A
narrativa é viva, mas, o tempo se arrasta lentamente, acelerando o coração do
leitor, sustendo sua respiração que, nessa altura, já vive o medo, o absurdo e
a tensão do protagonista, compreende o horror que corre nas suas entranhas, enquanto
conta os momentos para o desfecho final de sua vida, recorda e reflete sobre
seus atos na obscuridade dessa noite paradoxal, em que, se por um lado a
angústia da espera torna lenta, por outro, a certeza da morte a acelera.
Sartre,
pela “voz” de Ibietta, consegue neste conto, o ideal de todo escritor: descreve
muito mais que a própria imagem poderia conter, concede realidade,
materialidade visual e sentimental a palavra escrita. As passagens são plenas,
robustas, recheadas de existência e emoção. Principalmente na passagem em que
Ibietta, pensando em sua amada, decide que não quer mais vê-la. Diante da
impossibilidade humana de viver o sentimento do outro, compreende que está só,
nem ela, nem ninguém poderá sentir o que ele sente nesse momento e em nenhum
outro momento. Ele, com essa decisão, quer ainda preservar a ilusão da
compreensão mutua, do compartilhamento sentimental, que certamente a presença de
sua amada quebraria, quando frente a frente, seus olhos se encontrassem, e
então a certeza absoluta da solidão humana lhe cairia nos ombros e pesaria mais
que a espera angustiante da morte iminente.
Steinbock,
Ibbieta e Mirbal, estão a algumas horas de encarar um muro. Muro esse que
nenhum deles se preparou para enfrentar, um muro que é a própria representação
da vida, a trajetória final do ser humano na sua existência absurda e finita, a
morte e sua fatalidade imprevisível e certeza indiscutível.
O
comandante manda um médico belga, registrar o comportamento dos prisioneiros, é
também lhes oferecido um padre, no entanto o silencio frio é a resposta dos
três... Deus não tem utilidade!
Juan,
o mais jovem e inexperiente, apesar de consciente de seu destino fatal,
constrange os outros geme, chora, treme e reclama, sem saber como reagir a
isso. Depara-se com o absurdo, não compreende a inutilidade de sua vida e mais
ainda a injustiça de sua morte. Busca sentido para a morte sem entender que não
há sentido, a morte é e só!
Tom
examina as coisas e objetos ao seu redor, no canto um monte de carvão, o banco
em que está sentado o buraco do lado esquerdo do teto, os amigos... Nada faz
sentido, ele se coloca indiferente, ausente.
Finalmente,
Ibietta, vazio de pensamentos, analisa sua vida e, com tristeza, constata que
levou “todo o tempo a abrir caminhos para
a eternidade sem atingir coisa alguma”, a vida é uma “grande ilusão”, essa carga que embora pesada, diante da
contingencia ou não, perde qualquer peso. Ele tem consciência da sua insignificância,
essa situação-limite lhe proporcionou a visão crua da sua existência. Pensa em Concha, “ainda
na véspera cortaria um braço para a tornar a ver durante cinco minutos”,
“aqueles dois sujeitos agaloados, com seus chicotes e botas altas”, o “bigode do falangista”, o “rato debaixo dos seus pés”, nada agora
vale algo, diante da certeza da morte. Nem a Espanha, a grande causa que lhe
motivou a luta, a fuga e também o destino pelo qual agora aguarda, podem apagar
a visão clara e distinta que agora se faz na sua consciência, a vida revelada
no seu não-sentido... Não há mais nada porque lutar ou qualquer coisa para se
apegar, ele agora só tem a sua frente o muro...
No
arremate final, Ibbieta diz: “Tudo
rodopiou à minha volta e achei-me sentado no chão: ria tanto que me vieram
lágrimas aos olhos”. Nada teve importância, tudo inútil, ele escapara da
morte sem nenhum esforço seu... O muro caiu sem que ele mexesse um dedo sequer!!
O
riso é o fecho desta narrativa, visto que o absurdo é a perda total de qualquer
contato com as coisas, é a negação do ser, e a permanência neste estado, só tem
por fim o choro ou o riso, e é exatamente o riso que acontece a Pablo, pois já
ria quando media sua vida na busca desesperada de encontrar sentido para ela, saber
se ela valeu ou não a pena, sem se dar conta de que a vida é, sem mais nem
menos. O riso, diante da solidão humana, da falta de deus ou promessa de
paraíso é a reação contra esse nada. É a única transcendência possível.
SARTRE,
Jean Paul, O Muro, edição 20, NOVA
FRONTEIRA, Rio de Janeiro, 2005.
Manoel N Silva