terça-feira, 1 de julho de 2014

O Muro

( foto: Vladimir Kush)

Esta é uma incursão no conto O Muro, que dá nome a coleção de narrativas que rendeu o Nobel da Literatura a Jean-Paul Sartre, em 1964, e o qual ele recusou.   Nesta obra o existencialismo, a consciência do eu e do mundo em redor, se coloca mais que evidente, o absurdo se revela nas situações vividas por personagens que lutam por se encontrarem e por enfrentarem o seu destino e a falta de sentido da vida, desmascarando a completa impotência humana diante de suas próprias escolhas. A liberdade esmaga o desejo e despe todas as emoções do homem, deixando a mostra e escarnada, a real condição humana.

Tendo como cenário uma cela úmida, escura e gelada, desenrola-se a trajetória de três homens feitos prisioneiros. Tom Steinbock, Pablo Ibbieta e Juan Mirbal, suspeitos de agressão aos falangistas, estão presos no porão de um hospital semidestruído pela guerra civil, a espera de serem fuzilados.  
Pablo Ibietta, impotente diante do destino imposto pelos inimigos, nos conta sua trajetória até ali, revelando-nos uma história tensa, sobrecarregada, lúgubre plena de emoções genuinamente humanas.

Aos poucos vamos adentrando nesse mundo descrito com emotividade acentuada, as passagens são lentas, longas, refletindo o pavor vivido por Ibietta. A narrativa é viva, mas, o tempo se arrasta lentamente, acelerando o coração do leitor, sustendo sua respiração que, nessa altura, já vive o medo, o absurdo e a tensão do protagonista, compreende o horror que corre nas suas entranhas, enquanto conta os momentos para o desfecho final de sua vida, recorda e reflete sobre seus atos na obscuridade dessa noite paradoxal, em que, se por um lado a angústia da espera torna lenta, por outro, a certeza da morte a acelera.

Sartre, pela “voz” de Ibietta, consegue neste conto, o ideal de todo escritor: descreve muito mais que a própria imagem poderia conter, concede realidade, materialidade visual e sentimental a palavra escrita. As passagens são plenas, robustas, recheadas de existência e emoção. Principalmente na passagem em que Ibietta, pensando em sua amada, decide que não quer mais vê-la. Diante da impossibilidade humana de viver o sentimento do outro, compreende que está só, nem ela, nem ninguém poderá sentir o que ele sente nesse momento e em nenhum outro momento. Ele, com essa decisão, quer ainda preservar a ilusão da compreensão mutua, do compartilhamento sentimental, que certamente a presença de sua amada quebraria, quando frente a frente, seus olhos se encontrassem, e então a certeza absoluta da solidão humana lhe cairia nos ombros e pesaria mais que a espera angustiante da morte iminente.

Steinbock, Ibbieta e Mirbal, estão a algumas horas de encarar um muro. Muro esse que nenhum deles se preparou para enfrentar, um muro que é a própria representação da vida, a trajetória final do ser humano na sua existência absurda e finita, a morte e sua fatalidade imprevisível e certeza indiscutível.

O comandante manda um médico belga, registrar o comportamento dos prisioneiros, é também lhes oferecido um padre, no entanto o silencio frio é a resposta dos três... Deus não tem utilidade!

Juan, o mais jovem e inexperiente, apesar de consciente de seu destino fatal, constrange os outros geme, chora, treme e reclama, sem saber como reagir a isso. Depara-se com o absurdo, não compreende a inutilidade de sua vida e mais ainda a injustiça de sua morte. Busca sentido para a morte sem entender que não há sentido, a morte é e só! 

Tom examina as coisas e objetos ao seu redor, no canto um monte de carvão, o banco em que está sentado o buraco do lado esquerdo do teto, os amigos... Nada faz sentido, ele se coloca indiferente, ausente.

Finalmente, Ibietta, vazio de pensamentos, analisa sua vida e, com tristeza, constata que levou “todo o tempo a abrir caminhos para a eternidade sem atingir coisa alguma”, a vida é uma “grande ilusão”, essa carga que embora pesada, diante da contingencia ou não, perde qualquer peso. Ele tem consciência da sua insignificância, essa situação-limite lhe proporcionou a visão crua da sua existência. Pensa em Concha,  “ainda na véspera cortaria um braço para a tornar a ver durante cinco minutos”, “aqueles dois sujeitos agaloados, com seus chicotes e botas altas”, o “bigode do falangista”, o “rato debaixo dos seus pés”, nada agora vale algo, diante da certeza da morte. Nem a Espanha, a grande causa que lhe motivou a luta, a fuga e também o destino pelo qual agora aguarda, podem apagar a visão clara e distinta que agora se faz na sua consciência, a vida revelada no seu não-sentido... Não há mais nada porque lutar ou qualquer coisa para se apegar, ele agora só tem a sua frente o muro...

No arremate final, Ibbieta diz: “Tudo rodopiou à minha volta e achei-me sentado no chão: ria tanto que me vieram lágrimas aos olhos”. Nada teve importância, tudo inútil, ele escapara da morte sem nenhum esforço seu... O muro caiu sem que ele mexesse um dedo sequer!!

O riso é o fecho desta narrativa, visto que o absurdo é a perda total de qualquer contato com as coisas, é a negação do ser, e a permanência neste estado, só tem por fim o choro ou o riso, e é exatamente o riso que acontece a Pablo, pois já ria quando media sua vida na busca desesperada de encontrar sentido para ela, saber se ela valeu ou não a pena, sem se dar conta de que a vida é, sem mais nem menos. O riso, diante da solidão humana, da falta de deus ou promessa de paraíso é a reação contra esse nada. É a única transcendência possível.

SARTRE, Jean Paul, O Muro, edição 20, NOVA FRONTEIRA, Rio de Janeiro, 2005.

Manoel N Silva


















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