O Direito abstrato é a esfera da objetivação e efetivação da vontade livre. Não dessa vontade enquanto escolha, e sim da vontade livre que se tem a si mesma na sua universalidade. A liberdade em si e por si, concebida como unidade de inteligência e de vontade racional e universal se objetiva e segue no caminho de sua efetivação no mundo. Não se restringe nem à sua validade normativa como ordenamento jurídico, nem às instituições da sua aplicação jurisdicional, pois ele é a efetivação da liberdade objetivada, é a liberdade enquanto Ideia.
O Direito Abstrato é “abstrato” em vários sentidos. Primeiro, porque Hegel enuncia e desenvolve somente os princípios e conceitos fundamentais do moderno direito privado, mas considerado independente da sua positivação no Estado e da sua aplicação Jurídica; segundo porque, embora tenha uma efetividade imediata, a liberdade é apenas exigida. É abstrato no sentido de que nele a liberdade é efetiva de maneira somente imediata e por fim, porque o seu princípio fundamental é a personalidade e que só tem consciência da sua liberdade enquanto universalidade formal.
O direito, a ética, a realidade do direito, são formas que se apreendem com o pensamento. A lei, até certo ponto, tem identificação com os componentes da comunidade. Hegel afirmava que a filosofia devia ser, de forma predominante, o princípio móvel da aplicação do direito e das leis. Segundo ele, os Estados suprimidos deste principio se tornariam superficiais no que diz respeito à ética, o direito e o dever. O Estado começaria a se dissolver, e a consciência justa, do direito e da justiça entre os particulares, assim como a destruição da ordem pública e as leis do Estado.
Para Hegel o primeiro momento é o direito pessoal, o individuo toma consciência de sua liberdade como sendo exteriorização do espírito livre. Ou seja, a posse, a propriedade.
A base dos direitos individuais reside na propriedade. A propriedade não é meramente material, a aquisição é fundamental para a afirmação de um indivíduo de identidade e personalidade. A propriedade é uma expressão de si e da afirmação de um indivíduo de direitos, uma vez que é através da propriedade que se pode dizer "isto é meu", uma reivindicação que respeita os outros. A propriedade é a personificação "da personalidade", diz Hegel.
O sistema de propriedade privada estabelece a individualidade e a personalidade através de contrato de câmbio. O Contrato estabelece normas institucionalizadas de propriedade através do respeito mútuo dos direitos e obrigações. A vida econômica é regida pela livre troca de mercadorias. É baseado em um conceito institucionalizado do indivíduo como tendo alguma reivindicação de reconhecimento como um direito de pessoa. Se um mercado de câmbio está a funcionar de forma eficiente, os agentes econômicos devem reconhecer padrões universais, através da qual uma pessoa pode reivindicar a propriedade. As normas estabelecidas de reconhecimento recíproco na esfera econômica moderna são internalizadas em atores econômicos e representam uma "vontade comum".
O conceito de direitos individuais a que esta vontade comum dá o seu parecer favorável é um conceito abstrato. O indivíduo que implica é um indivíduo universal, sem traços particulares e sem referência ao ambiente social ou cultural. Assim, os direitos estabelecidos pela propriedade privada e de câmbio são "direitos abstratos" e envolve os indivíduos como resumo nos temas universais.
Partindo dessa visão hegeliana do direito ideal e da propriedade privada, assim como da importância da mesma para fundamentar os direitos individuais, me parece que de lá para cá, passando pela tentativa marxiana de dar realidade ao direito e por todas as tentativas dos marxistas, não conseguimos objetivar essa liberdade e continuamos no mesmo patamar da crítica hegeliana e pelo andar da carruagem não conseguirá nunca conciliar direito e propriedade privada.
Hegel propõe a que esse direito se torna realidade quando passa da moralidade (A moralidade é essencialmente o lado subjetivo das obrigações recíprocas sociais institucionalizadas nos contratos e no mercado econômico. Indivíduos experimentam tais obrigações recíprocas como uma obrigação moral de respeitar os direitos universais.) para a eticidade (Constitui o momento em que a liberdade torna-se realidade. É a moralidade palpável, acima da opinião e da boa vontade, fortalecendo as leis e as instituições. É a totalidade de determinações morais da família, da sociedade civil e do Estado, incidindo (aparecendo) entre seus membros – existência, manifestação e realidade. Assim dizendo, fica expressa no caráter do indivíduo – probidade, honradez, integridade e honestidade.)
Eu, particularmente vejo puro idealismo, e com as adaptações de Marx e dos marxistas, mesmo assim, essa ideia de objetivar o direito a todos suprimindo a propriedade privada é impossível. A pretensão hegeliana ou a utopia materialista não me parecem ter avançado um só milímetro, e, toda a filosofia contemporânea se remexe desesperada nesta areia movediça do relativismo.
Como vamos reconstituir a família se, cada vez mais, as sociedades se voltam para o macro, para a mega corporação?
A sociedade já não é mais composta de conjuntos de células, ela caminha para se tornar uma massa uniforme, padronizada, sem vínculos privados, pessoais, onde todos os sentimentos serão reflexos dessa mega corporação social.
Não existem linhas de fuga, possibilidades de escape, os muros cada vez estão mais altos e os condomínios que se multiplicam e se expandem e já aparecem, nas classes mais altas, tal qual cidades, e até nas favelas já se manifesta esse tipo de moradia coletiva.
Além disso, atuam aí a ideologia política, religiosa e econômica, toda diversidade se ajusta aos modelos ideológicos, essa mediação é feita sob a forma de modelos que aparentemente atendem e, por isso, agregam e conformam essa diversidade, reduzindo-as a meras manifestações de consumo, credo e preferências políticas, que na realidade não tem nenhum resultado, a não ser a homogeneização da sociedade, visto que toda diversidade se dilui nestas atividades inócuas!
Não há existe mais núcleo familiar, apenas uma célula econômico-social, parte de uma corporação, onde são gerados e criados os novos componentes, os diversos operários que fazem moverem-se os mecanismos de sustentação dessa massa uniforme, onde a diversidade subjetiva, a liberdade e a revolta, são pura idealização e se manifestam como disse antes, em atividades nulas. Não encontramos mais o Casal, visto que a ideia vendida e consumida não é duas pessoas que se relacionam emocionalmente com vista a formar “um”. Essa ideia de união, complementação, foi substituída pelo modelo mais produtivo para o sistema, que são indivíduos com espaços distintos, tanto quanto os filhos, que já não se reportam a pai e mãe e sim ao Estado, pois é ele que regulamenta e conduz a educação das crianças, não existe mais educação familiar.
É, realmente a luta é pura abstração, se dá no meio virtual e não atinge o real. Quanto a nossa natureza nômade e criativa, há muito se recolheu aos confortáveis sofás, ou mesmo às humildes cadeiras de plástico, diante do grande legislador: a mídia televisiva!
Como resistir ao discurso se arte de hoje é mera realidade, cotidiano colocado em holofotes, recortado, separado, mas, ainda assim mero recorte da realidade?
A ciência se fez arauto do discurso e busca apenas realizá-lo e a filosofia é vazia de ações, está sempre na janela a observar o mundo e sua única ação é analisá-lo!
Parece que o homem perdeu o poder de observação e análise e, é só ator nessa sociedade... Não vejo o movimento, ao qual se refere a dialética hegeliana, cujo ápice são momentos da unidade em que não só não estão em conflito, mas, onde tanto um quanto o outro é necessário; e essa igual necessidade faz a vida do conjunto. Ou seja, movimento, relações continuas de opostos!
Parece haver uma conformação, que a humanidade aceitou resignada o que está posto. Mas, o que percebo é que não há resignação, é que essa é a única realidade possível, lógica, natural, histórica e espiritual que podemos viver, e não será a revolta, a indignação (que eu chamo de estado de consciência plena de sua realidade) que modificará os caminhos da humanidade. Pois que essa mesma revolta e indignação são apenas momentos dessa síntese...!
Não temos que levantar da poltrona ou descer da janela, temos que está sempre nesses três momentos, ambos são a mesma posição, é o movimento, o ponto de síntese, a ação. Devemos que ser observador, leitor e ator do mundo.
A meu ver, ainda estamos no direito abstrato e a única efetivação que houve foi a da propriedade privada. Base hoje te todos os sistemas políticos e econômicos do mundo.
Não é por Hegel ser metafísico e idealista (segundo seus críticos) que o seu sistema não sirva de base (Marx que o diga...) e ao mesmo tempo se preste à críticas. Apesar da pretensão hegeliana e o seu absoluto, seu sistema é bem coerente, lógico e consistente, o problema é exatamente esse momento, essa síntese que forja uma eticidade muito longe da realidade humana, dos conflitos sociais reais. Quando olho a sociedade, vejo um todo interdependente, complexo e contraditório entre as múltiplas partes que o formam.
Eu poderia aqui fazer um interminável discurso, cheio de conceitos e mais conceitos acerca do que são o direito individual e a propriedade privada, mas, estaria apenas repetindo o que muitos já disseram e o que todos, que tenham o mínimo de discernimento, intuem e/ou sentem, na própria pele quando da falta e o excesso de ambos. Portanto, limito-me ao problema fundamental que é exatamente esse meio termo, esse caminho aristotélico que permeia todo o pensamento político, social e filosófico, até os dias atuais, sem, no entanto, mesmo sendo o alvo principal dos pensadores, encontrar uma solução que seja aplicável a realidade.
Diante disso, seria muita pretensão minha acreditar que sou capaz de dar essa solução, mesmo porque não acredito que tenha uma solução para esta contradição, no máximo podemos compreender essa contradição e tentar positivá-la, amenizando os efeitos negativos que resultam desse conflito.
Não posso afirmar se existiu um estado de natureza e se o homem natural era bom ou mal, como colocam os contratualistas, ou se o homem possui uma essência como nos afirmam os idealistas em geral, mas, concordo com os que dizem, sejam idealistas ou materialistas que a origem de todo conflito se deva a propriedade, a posse, a privatização do bem que deveria ser comum e, que de modo algum se possa conciliar, sem injustiças, direito individual, liberdade e propriedade privada.
Daí, minha única proposta é uma compreensão profunda deste conflito e busca, dentro dele mesmo, nas suas partes, do melhor movimento contraditório, no sentido de equilibrar positivamente os efeitos dessa relação contraditória e conflitante, na sociedade. Seria o quarto momento dessa dialética (e, é aqui que entra a base hegeliana a qual me referi para enunciar este tópico), esse quarto momento que é uma constante no sistema de Hegel, que diferencia a sua dialética e lhe caracteriza o movimento constante, ascendente, que sempre transforma síntese em nova tese.
Manoel N Silva
Um comentário:
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