Meu
olhar é sempre um olhar mais amplo, abrange sempre a maior paisagem possível,
não consigo me ater a uma pessoa, uma situação, um objeto, uma cena, uma
sala... enfim, devo parecer aos que me olham e nos lugares onde estou, que não
presto atenção as pessoas, ou as coisas, e que não me interesso por elas ou
pelo que dizem. Mas, ao contrário, sempre presto atenção a tudo, a questão é
que meu foco é sempre o todo, não consigo ver protagonismo e nem
individualidade. No meu apreender da realidade, esta é sempre composta de
tramas complexas, de relações inúmeras e imbricadas. Uma malha de pequenos
gestos e falas, atitudes e ações, cujo sentido só existe em seu conjunto, como
um organismo que se completa em suas partes. Muito embora essas partes parecem
distintas, desligadas e sem nenhuma razão entre si, meu olhar não se conforma e
passeia ao redor em busca dessas conexões, até que, como num quebra-cabeças,
cada peça vai se encaixando e formando a paisagem geral, revelando um sentido,
que nem as partes, muitas vezes, descobrem.
Talvez
seja mera pretensão, mas, o fato é que, quase sempre o que eu vejo, cedo ou
tarde se revela também aos outros, se não totalmente mas em agrupamentos maiores,
mais abrangentes e conectando várias partes dantes “dispersas”. Essa minha
percepção holística sempre foi-me de grande valia, pois me possibilita
transitar entre essas partes com a segurança de quem sabe onde ir e o que
fazer, ás vezes penso que essa posição é quase divina, outras que é também maldita,
visto que é perigosa e decepcionante.
Vejam
bem como funciona, é quase uma visão de futuro, visto que certas ligações, a
maioria, só vão ser percebidas pelas partes, depois de um tempo, quando as
peças vão se encontrando, tornando claras essas configurações. É muito triste quando encontro alguém que tem
certeza de que algo vai acontecer e, agarrada a isso, aposta tudo nessa certeza
e, eu, já vendo as conexões compreendo o erro e nada posso fazer, visto que
jamais seria acreditado e com razão, pois dito naquele momento, pareceria
loucura.
É
também verdade que um bom número de vezes eu também perco as ligações e me
deparo com um cenário que eu jamais poderia imaginar aconteceria, meu consolo é
que compreendo isso, aceito essa minha deficiência de percepção, busco olhar
mais longe, vasculhar ao redor, sempre que me encontro preso em uma visão
dispersa, vazia de sentido e rumo.
Mas,
devo dizer que dentre as tantas vezes em que assim me senti, sem ser capaz de
perceber o sentido do todo, sem compreender a razão do momento, foi neste
processo de impedimento, nesses instante político que vivemos, que eu estou me
sentido desconectado e sem visão sequer de uma parte maior que esta que se me
apresenta imediatamente, sem possibilidade de previsão ou apreensão. É uma
realidade que se apresenta pronta, sem previas ligações e consequentes que apontem
o sentido, a razão, a racionalidade, nela contida!
Olho
ao meu redor, vasculho todos os cantos, busco as pontas, os fios, as linhas, os
arremates e nada...só me deparo com o irracional, o sem sentido, o absurdo. Um
vazio kafkiano, uma irracionalidade total, estou me sentindo o próprio Agrimensor
K., na trama do livro “O Castelo” ou Joseph K. no “O Processo” é algo
angustiante e nunca tinha sentido antes. É como jogar pedras e elas flutuarem
ou está vivendo em um daqueles pesadelos em que você corre, corre e não sai do
lugar... Me sinto estranho, estrangeiro na minha própria casa, conheço todos os
lugares, cada objeto, cada canto, cada quarto, cada aranha, cada teia por elas
tecidas, os insetos, as lagartixas, o cheiro das coisas, a luminosidade de cada
hora, o som das portas que se abrem ou se fecham, mas nada faz sentido, por
mais compreenda como tudo deveria se encaixar, que preveja como vai
acontecer, o instante que se segue é uma total negação dessa visão, o que me
chega é uma fotografia desconhecida, os atores são os mesmos, a trama é a mesma,
mas o resultado é totalmente absurdo.
Manoel Nogueira
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