sexta-feira, 22 de março de 2019

FATOS OU FITAS?



Meu problema não é a defesa de um governo, de um partido ou de uma pessoa. O meu grande problema nesse momento é encontrar uma informação, alguma pista, algum fio que me ligue ao real. Existe mesmo uma compreensão dos fatos? ou melhor, existem mesmo esses fatos?

Quaisquer que sejam os fatos, me parece que negam todas as afirmações filosóficas, linguísticas, gramaticais, semânticas, políticas, econômicas ou sociais já pensadas ou teorizadas sobre o povo, a massa, as classes, as pessoas, os indivíduos e os coletivos. Não há no campo da razão, qualquer indício de construção palpável de uma materialidade dos fatos.

E sim, estou questionando os fatos sim. Não são fatos que se apresentam espontâneos e nem são atuais, eles são construídos conceitualmente a partir de interpretações do passado. Eles não se mostram enquanto atos observáveis pela sociedade, eles são vistos através de lentes distintas, ângulos diversos.

Não tenho paixão envolvida. Tenho mesmo é apreensão, angústia, desinformação e factoides. Não há materialidade nesse cenário, ele é totalmente conceitual. O Brasil hoje vive uma realidade virtual. As pessoas não podem tirar suas próprias conclusões, analisar os fatos, eles não existem e, se existem não nos foram permitido o acesso a eles.

Muitos dirão que não se pode questionar fatos. Sim, também eu não questiono fatos. Desde que eu tenha acesso a eles. O problema atual é que os fatos que nos levaram a esse estado de coisas, nos foram dados em palcos iluminados, cheio de jogos de luzes e de sombras, em um cenário cuidadosamente preparado.

Não estou separando o real do virtual, mesmo porque um constrói o outro e vice-e-versa, O problema é que nessa construção os fatos não estão claros e nem as informações são dadas. A construção da realidade está comprometida e compartimentada, e essas partes não se ligam, pois faltam essas peças fundamentais que dariam consistência a essa realidade.

Também não estou dizendo que não há materialidade no que estamos vivendo, a situação é real, as manifestações não são virtuais mas os seus motivos são. Não sabemos mesmo se estamos defendendo o que é certo ou o que é errado. Nem um lado e nem o outro. Todos os motivos são construídos a partir desse jogo midiático, político e judicial. O que estou tentando dizer é que não há como montar esse quebra-cabeças, pois as peças estão faltando, ou não são as peças desse mesmo quebra-cabeças. Não é uma questão ideológica é uma questão puramente intelectual. Não temos dados suficientes para que possamos elaborar essa trama.  Todas as conclusões são inverossímeis, do ponto de vista da lógica. Das premissas dadas, o termo médio sempre aparece na conclusão, seja de um lado, seja do outro.

Já nos apontavam os gregos antigos que a dialética é um movimento natural nas relações humanas, ela só se complica quando perdem-se as conexões, quando os discursos não encontram conectivos capazes de promover o entendimento e superar o conflito. Não há diálogo, porque não existem palavras de ligação, os conectivos foram subtraídos. O discurso hoje no nosso país está polarizado, a tese se choca com a antítese e não pode alcançar a síntese.

Portanto, chego a única conclusão que me satisfaz no momento:  a posição de avestruz já não nos é mais possível, a não ser que nos declaremos hipócritas. Não dá mais para ser utilitarista. Quero a verdade dos fatos, custe o que custar!

Manoel N. Silva.

sábado, 16 de março de 2019

SEMENTE ENTRE AS PEDRAS




Um dia
Dos desejos sem fins
De dois amantes distraídos
Nasci
Sem a força dos queridos
Mas, com  o medo dos alheios
E a gana dos desesperados
Sobrevivi
Se hoje sou fato
E se de fato sou
Não me defino existir
Vivi
Nas dobras das ruas
Meus caminhos  se curvam
E aos meus ódios natais
Sucumbi
Sou um olho sem brilho
Fora dos trilhos e da luz
E nada é o que me conduz
Reflui
Porque o que me fere
Não se refere ao desejo
É o mistério do meu  ser...
A vida que não vivi!

Manoel N Silva.

sábado, 9 de março de 2019

O CHAPELEIRO LOUCO




                Começo essa reflexão entre percepções confusas, apreensões difusas, irracionais. Quisera a lucidez das certezas políticas e econômicas que sempre tive em tempos anteriores. Quisera, mesmo que no crivo dos censores e diante das amarras da ditadura, a clara visão do inimigo, o conhecimento de seus objetivos, a consciência de suas armas e suas ambições. Ou, em tempos de liberdade, as tendências e interesses no tabuleiro do jogo político, onde cada peça tem seus movimentos declarados, cada jogador tem seu objetivo definido e as regras são do conhecimento e alcance de todos. Hoje me sinto Alice no tabuleiro da Rainha de Copas, as regras são quebradas sem punição e os jogadores adversários são meras cartas de um baralho viciado, cujo dono ninguém sabe, ninguém viu!
            Olho ao redor na tentativa de entender quem manda! Quem decide os destinos de mais de duzentos milhões de brasileiros? A quem entregamos nossas vidas e nossos desejos de nação? Como fomos tão ingênuos e tão tolos?
            As perguntas aqui formuladas, na realidade são mera retórica, sabemos que não há culpados e nem inocentes, não somos tolos e nem ingênuos, nossa sociedade é isso que hoje nos governa. Não houve enganos! Em cada cidadão de bem, em cada pai de família, em cada crente, reside um Bolsonaro, ou parte dele. Essa incerteza é fruto da diversidade de sentimentos e desejos que levaram esse protótipo de ditador,  fantoche  ou mero espelho social, ao cargo de presidente.
            Até aí, tudo bem! Mas, o que me intriga e me desespera é que ele não se definiu governante e nem definiu quem governa! Ele é uma incógnita, uma fábrica de contradições e ações desencontradas. Seus aliados batem cabeça, se desculpam e desculpam-se, desdizem-se e não se definem. Não sabemos quem governa e, me parece, nem eles.  O governo reflete em sua constituição a mesma disparidade de seus eleitores, de um lado temos o grupo militar que até agora não disseram a que vieram, se são a espinha dorsal desse governo ou se meros acessórios; de outro lado temos o núcleo político que  se equilibram entre os processos e investigações e o trânsito no parlamento; já os super ministros da Justiça e da Economia estão de mãos atadas e reféns das suas histórias, calados, cabisbaixos e sem força real; se não bastasse, temos ainda o núcleo psicodélico, surreal, pirotécnico que só falam e fazem besteiras e asneiras.
No âmbito do legislativo a coisa se repete, se de um lado temos no congresso uma maioria conservadora e afeita a pautas liberais, o partido de Bolsonaro e outros mais a direita, trouxeram um punhado de apolíticos, parlamentares que não aceitam o jogo dos discursos e das alianças, dos acordos e dos conchavos, acreditam eles que na politica tenha que prevalecer o “certo”, não entendem que a política é o campo das disputas verbais e que nem sempre vence quem tem a verdade e sim quem tem a palavra, o verbo.
No campo do Judiciário, a campanha politica, os privilégios e os erros da Lava-jato, colocaram os juízes e os tribunais de calça curta, reféns de seus atos impróprios e nada éticos, embora legais, não tem a força moral para ganhar a confiança do brasileiro. O STF virou piada e a Lava-Jato sinônimo de abuso de poder.
No lado social e corporativo, temos as mesmas incertezas, centrais sindicais não se definem enquanto oposição ou situação, setores organizados da sociedade não se colocam claramente diante da situação. OAB, CNBB, FIESP se fazem de mortas...
Apear de tudo que aqui expus, infelizmente não consegui chegar a uma conclusão clara, definitiva, que pudesse satisfazer minha mente e acalmar a inquietude do meu ser. Termino essa reflexão sem respostas e com a sensação de que continuo na história de Lewis Carrol, e que não sei se o presidente do meu país é um rei de copas, um chapeleiro maluco ou um sapo-lacaio, e que eu  não terei a sorte de uma irmã me acordar para um chá da tarde...

Manoel N Silva

À SOMBRA DA OLIVEIRA




As luzes não se apagam
Os olhos não se fecham
As mãos ainda se agitam
Nada foi superado
Nada foi suprimido
Aquele calafrio maldito
Aquele frio na espinha
Em cada noite que se avizinha
É como um espinho na ferida
Que parecia já cicatriz
É uma janela que se abre
No porão dos meus suplícios
Medos e arrepios
Surgindo nas palavras e nos gestos
Transmitidas ao vivo
Surfadas no cibernético mar
Aquele som de corneta
Aquelas listras em vermelho
Aquelas estrelas douradas
Nos ombros daqueles homens
Vestidos da cor da oliva
Não me deixam sonhar
Não me deixam amar!

Manoel N Silva