Sento-me num banco alto com tampo de fórmica... Junto do balcão forrado da mesma fórmica, todo arranhado e cheirando a "pinho-sol"... O português me olha e pergunta:
- que desejas?
Olho para a estante de vidro e vejo um prato com coxinhas enormes, parecem aquelas de desenho animado, roliças, suculentas... Meu cérebro recebe a mensagem, meu estômago se agita, minhas glândulas salivares incham, enchem-se e jogam na minha boca um liquido grosso, sem gosto... Engulo e digo: - uma coxinha e um copo de leite...
o portuga me olha por trás dos óculos e baixa-se sobre um freezer horizontal e de lá surge em suas mãos um saco de leite pasteurizado, dentro de uma vasilha de plástico que há muito perdeu sua cor original... Pega um copo grande de vidro opaco e enche-o com o leite branco que sai de um bico de uma mama de plástico esverdeada, num jato mole, grosso e lento...
Ele pega com a outra mão um prato, desses pequenos, coloca-o a minha frente, sobre o balcão e deposita o copo...vira-se e pega no porta guardanapos um e abre a estante de vidro e com sua mão que me parece, parcialmente coberta pelo guardanapo, a garra de um guindaste a abocanhar uma pedra enorme... Ele pega outro daqueles pratos e deposita a coxinha e coloco-o junto ao copo no balcão...
Meu cérebro, meu estômago e minhas glândulas, repetem o processo anterior, pelo menos umas quatro vezes durante os mais menos 45 segundos que durou a operação de o português me servir... Ele me empurra o porta-guardanapo e eu pego um, apanho com prazer e ansiedade a coxinha... A boca inundada, os dentes entreabertos a esperar o gesto rápido, um leve tremor emocional faz a coxinha tremer diante de meus olhos...
Mais que depressa minha boca se abre em um gesto brusco, e como se não acreditasse na força do meu braço, a cabeça desloca-se a procura da mão, sôfrega a boca agarra-se a crocante cobertura de farinha de rosca e os dentes se fecham com firmeza, arrancando uma boa parte daquela mistura de óleo vegetal, farinha de trigo e frango...
Que sensação maravilhosa... Pareço uma criança que ganhou uma bicicleta no natal... Quase fecho os olhos e sorrio, como adolescente que sente a boca quente e o gosto estranho do primeiro beijo, aquele leve roçar de lábios que enchem nosso corpo de prazer e...
Nossa! Meu nariz capta um odor estranho, desperta-me da embriaguez momentânea, é um cheiro agridoce, peculiar... A sensação transformar-se em agonia, a boca se enche, triplica-se o volume, transforma-se num bolo azedo e pútrido, meus olhos lacrimejam e meu estômago se embrulha, olho para os lados, procuro um local para esvaziar-me deste defunto passado, que me enche a boca... Estou encurralado, varias pessoas a minha volta e o português a minha frente... Fito o leite... Penso em tomá-lo para diminuir a sensação angustiante, o gosto horrível, mas a imagem que vejo é de um liquido viscoso amarelado, algo que me lembra uma ferida pútrida, um furúnculo despejando seu pus... Levo à mão a boca, já não me importa o que pensem... Não agüento! Levanto-me de um salto e corro em desespero ao banheiro...
Diante do lavabo vomito o conteúdo pútrido e mais algum que foi arrancado de meu estômago... Lavo a boca e diante de um pequeno espelho olho meu rosto, ele parece disforme, diferente... De repente lembro-me de Sartre... Entendo agora a sensação que Sartre descreve em "A Náusea"...
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