Sempre vi o homem com admiração profunda. Sempre o olhei com respeito, adoração. Vi no homem toda a potencialidade da vida, da evolução. Sempre acreditei no homem como construtor de uma humanidade consciente e ciente dos seus valores individuais.
Nunca me perdi em olhares pequenos, em observações da individualidade, do individuo como construção ideológica. Meu olhar sempre foi naturalista, nunca me preocupei com sentimentos temporais, frutos de momentos e situações. Olhei sempre a espécie, o homo sapiens e não o individuo e suas particularidades emocionais, frutos de sua formação social, cultural, ideológica, moral. Enfim, nunca olhei o “ser” humano e sim o “ser humano”. O animal inteligente. Nunca olhei suas virtudes morais e sim sua capacidade de evolução.
Nunca mirei os sentimentos e sim os atos, a ação, a efetiva intervenção no caminho de uma melhor adaptação ao meio ou de uma adaptação do meio. O homem não tem sentimentos fixos, imóveis e definidos. O homem age sob efeitos de emoções, sensações, percepções e instintos. Não existe uma essência que o defina como sendo desse ou daquele “tipo”.
Existe apenas um condicionamento, um controle que a sociedade exerce através de seus mecanismos que acalmam e reprimem as emoções, os instintos. Isso se chama civilização, uma invenção que seria o mais perfeito instrumento de evolução da espécie. Mas, infelizmente, ao se descobrir sociável, o individuo descobriu a individualidade, o egocentrismo, o prazer do domínio. O fabuloso gosto de sobreviver sem esforço. Ele, que sempre vivera de seu próprio esforço, arriscando-se a cada segundo, descobriu que poderia usar outro para suas tarefas difíceis. Descobriu que poderia saborear o prazer de saciar sua fome sem correr os riscos de antes. Nasceu o “ser” humano e sufocou o “ser humano”.
Esse novo homem, esse que descobriu o poder, inventou o comportamento ideal. Ou seja, o comportamento que lhe convinha e melhor atendia as suas necessidades pessoais; Surgiu então o primeiro sentimento: o egoísmo. Esse autêntico, baseado na necessidade de sobreviver e na possibilidade que se fez palpável. Depois, forjado na emoção e na sensação prazerosa do domínio, surgiu o seu primo-irmão: o egocentrismo.
As primeiras associações eram simples células familiares de natureza matriarcal pois a mulher era a responsável em gestar a vida, e depois patriarcal, quando se fez maior a associação, em virtude da diferença física e das características dos gêneros. E surgiram as comunidades, as vilas, e os condados... E nasceu o Estado! E com ele o poder. As leis, as regras, os limites e os modelos de comportamento.
Mas, que modelos? Que modelos o homem poderia seguir? Em que comportamento se espelhar para gerir o homem? Mantê-lo calmo e produzindo o que os donos do poder precisavam e até o que já não mais necessitavam: o supérfluo, o luxo, a ostentação (outros sentimentos inventados, pelas emoções prazerosas)? Não podia ser o modelo deles, pois se assim fosse, todos os homens tentariam ser donos do poder, o confronto seria inevitável e constante.
Era necessário idealizar um comportamento impossível de ser alcançado, improvável ao ser humano, um comportamento que fosse exatamente o oposto de sua natureza. Só assim seria possível manter o homem quieto, sempre buscando algo que ele não poderia alcançar e assim sufocaria seus instintos e seus desejos, suas emoções mais naturais. Ele se tornaria escravo de um ideal. A ideologia surge dessa necessidade de manter o poder, de perpetuar o poder.
Mais ainda faltava o modelo... Criam-se deuses, são modelos humanos, ainda conservam os “defeitos” do homem, mas servem por muito tempo a esse propósito. Nasce um esboço do ser ideal que definitivamente poderá dominar o homem. Conceitos de “virtudes” são atribuídos em contraste aos sentimentos humanos mais autênticos e com isso vão sendo reprimidos, prazer, emoções, desejos e coisas que possam “desviar” o homem do caminho virtuoso. Está criado o mal e o bem.
O mal: Tudo que é natural ao homem, desejo, prazer, satisfação, emoções, instintos...
O bem: Tudo que é contrário a natureza humana. Bondade, Humildade, altruísmo, dor e sacrifício.
Por isso, eu não acredito na bondade humana, ela não é possível ao ser humano. A maldade humana é tão mais generosa do que a bondade. Pois a maldade é inata ao homem, faz parte de sua natureza, é necessária a sua instintiva necessidade de sobrevivência. Já a bondade é o vomito do poder, o escarro da humanidade, as sobras de seu egocentrismo.
Quando vejo uma pessoa boa, tremo de medo. Quando surge um ser humano que se veste de divino eu corro léguas.
Eu prefiro enfrentar a maldade humana à bondade. A maldade do homem eu conheço, mora em mim. A bondade é uma máscara que impede a visão dessa maldade. Essa máscara se chama hipocrisia. E geralmente se consegue através da moral.
Não somos naturalmente "bons", somos necessariamente "bons"! É o preço pela civilização e a comodidade que nos propicia a sociedade.
Para ser “bom” é necessário reprimir instintos e emoções naturais. Para reprimir esses instintos o ser humano sofre, se envergonha, é um processo permanentemente doído, de renúncia, sofrimento. Para ser bom é preciso matar a si mesmo, a sua natureza, tornar-se outra coisa. Desprezar a sua humanidade, como diria Schopenhauer, tornar-se santo. Ou atingir o Nirvana, um estágio de controle total dos instintos e emoções, a negação da vida, na versão oriental. E para os ocidentais as várias interpretações judaico-cristãs de sacrifícios, abandono dos prazeres da carne que se sintetizam nesta máxima cristã atribuída a Jesus Cristo: "Dê a outra face".
É exatamente por ter certeza da minha maldade que não condeno o outro por ser mau e sim por ser bom sem ter consciência do mal que faz. Quem se acredita bom ofende os outros. Menospreza o outro. Pois se acha superior ao outro. Todo ser humano trás consigo a maldade natural, o egoísmo da espécie, o instinto de sobrevivência. Quem se acha livre disso engana-se e engana aos outros. Não é que o bem e o mal sejam relativos, absolutamente, eles são distintos e bem diferentes dentro da abordagem social. Eles simplesmente não existem sem sociedade.
O que a humanidade precisa entender é que ser bom não é procurar modificar sua natureza e transformar-se num ser ilusório, cheio de virtudes imaginadas, é antes respeitar o outro e a natureza dele. Só assim poderemos conviver justamente uns com os outros. O ser humano não precisa dessa bondade idealizada, ele precisa apenas do respeito a sua humanidade.
Manoel N Silva.
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