Estar só. Ser só! Incompreensível, incomunicável... Essa parece que é a condição do sujeito enquanto subjetividade pura, destituída de qualquer ação ou reação externa.
"EU" cartesiano, sartriano, kantiano... enfim, eu enquanto substrato de mim mesmo, consciência existencial exclusiva do outro e do mundo. Eu e só. Mesmo quando encontro com o outro, no mundo e para o mundo, estou só. Não encontro nada de mim, no outro, senão aquilo que nele coloco. A vontade, o desejo de ressonância e reflexo. Visto o outro de mim mesmo. Construo uma identificação a partir do que sou e ignoro o outro enquanto subjetividade e identidade.
O outro não existe para eu, a não ser para me refletir e suprimir a minha solidão, preencher o vazio que a civilização abriu ao nos unir em sociedade. Somos seres solitários, a razão é solitária. A racionalidade nos separa de todo o resto. E nos separa enquanto indivíduos que se compreendem independente dos outros.
Pensamos, logo existimos separados de tudo e todos. Descartes não radicaliza a dúvida e nem o ceticismo, ele simplesmente se encontra enquanto ser racional, consciência de si mesmo, isolado, preso a subjetividade e a incompreensão do outro. Uma "coisa" só. Sem qualquer conexão intelectual com qualquer outra coisa existente! Só! Completamente isolado em sua consciência, impossível de chegar ao mundo e ao outro. Kant vai compreender isso e declarar que a "coisa em si não existe". Não alcançamos o mundo, nós o representamos a partir da nossa subjetividade, nem sequer o vislumbramos, como cogita Schopehauer, apenas o construímos a partir das nossas faculdades cognitivas, da nossas habilidades intelectuais.
Ao longo da existência humana os homens desenvolveram ferramentas para tentarem uma comunicação e entendimento. Um mínimo de compartilhamento e interação, a fim de possibilitarem a construção de uma realidade fenomenológica comum. O aparecimento, via linguagem e conceitos, das coisas e do mundo, esses eternos desconhecidos.
Essa construção histórica é que enganou Hegel e iludiu os empiristas. Eles acreditaram numa relação material entre o "eu" e o mundo, através dos sentidos. Acreditaram que o conjunto das construções históricas, os fenômenos construídos pelos homens, sua linguagem e suas mediações, independiam da subjetividade do "eu". Mas, como sugeriu Sartre, o "eu para o outro" é uma construção consciente, formulada para aparecer ao outro, não como "eu sou", mas como "eu quero ser", ou "como eu quero que o outro me veja".
Partindo disso, compreendo que qualquer realidade é mera representação de desejos comuns colocados em prática, erguidos na conveniência social. O "mundo real", portanto, de real nada tem. A materialidade do mundo é fruto da construção histórica das vontades e não algo pronto, pré-existente, determinado fora do "eu" solitário.
Os sofistas Protágoras e Gorgias já compreendiam isso e não lutavam contra essa condição: "tudo que existe é a medida do homem" e "a realidade, o real em si mesmo, não existe, e mesmo que exista não podem ser conhecido e se conhecido for, jamais poderia ser compartilhado".
Diante dessa impossibilidade do conhecimento noumênico, dessa solidão existencial, é compreensível que nos assole essa angústia kiekergardiana, esse desejo desesperado por determinação e transcendência!
MNS.