É quase noite, sentada na beirada da rede, olhando o teto de palha, onde
uma aranha desenhava círculos com sua teia fina e brilhante, sentido no corpo o
suor gotejar e o peito arfar no ritmo descompassado da sua respiração
entrecortada, aqui e ali, por um pigarro provocado pela falta de umidade, que
ressecava a boca e irritava a garganta. Os olhos lacrimejantes agarrando-se
aquela visão. Enquanto o mundo lá fora avermelhava-se em busca da escuridão,
seus dedos vasculham o entorno em busca
da caixa de fósforos e da velha lamparina a querosene, que jazem em uma mesinha
no canto do quarto, ao alcance de suas mãos.
Aos poucos, o vermelho escuro, quase negro, que entra pelas frestas da
parede de barro e pela pequenina janela na parede oposta a mesinha, quase como
um furo quadrado ao lado da porta de talos de carnaubeira, ligados um a um por
cordões, formando uma esteira que cobre a abertura que leva a sala, vai fazendo
desaparecer a teia e a aranha, dando lugar a uma semiescuridão angustiante e
pesada. Suas mãos encontram finalmente a caixa de fósforos, e ávidas por luz,
retiram um palito e riscam-no, protegendo a chama nas mãos em concha e a
dirigem para o pavio da lamparina, acendendo-o e lançando uma claridade bruxuleante
seguida por um cheiro nauseante de
querosene e uma pequena quantidade de fumaça escura, que aos poucos, vai
diminuindo na mesma proporção que a chama aumenta até torna-se um fio
branco que sobe a partir da chama e ao sabor do mormaço que
vez ou outra, provoca piruetas e desenhos
que se refletem na parede áspera,
como um balé macabro.
Um sorriso feio em uma boca banguela, ornada de apenas um dente, grande e
cariado, se abre em uma demonstração de prazer, seus olhos fundos, quase
invisíveis nesse ambiente pouco iluminado, parecem pequeninas luzes em buracos
na parede, como se fossem vagalumes ali pousados, me olhando com a ternura que
jamais conhecerei em toda a minha vida, cabelos brancos e rareados descem como
fios de luzes em torno de sua cabeça, suas faces brancas como a neves,
ponteadas de manchinhas escuras, seus braços finos e igualmente ponteados de
manchas escuras na pele de neve, iluminada por aquela luz quase irreal, seus
joelhos pequenos e suas pernas miúdas que terminam em pés igualmente pequenos,
dentro de um chinelo barato.
Agora é o desejo e o vício que movem suas mãos magras em direção a um
cachimbo de barro, igualmente repousando na mesinha, juntinho a um saquinho de
fumo de rolo, previamente, cortado e picado e que vão, ambos, parar entre seus
dedos. Em um ritual que conheço de cor e nunca esquecerei, o fumo picado vai
parar dentro do cachimbo e transforma-se em fumaça que enche sua boca em um
movimento que lembra um fole, vai trazer-lhe um pouco de alegria e prazer...
Ela ficava ali, balançando-se na rede, pitando seu cachimbo e eu olhando-a,
deitado na esteira de palha de carnaúba, e lendo meus cordéis...
Manoel N Silva
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