Naquela noite ele deitara cedo. Antes, a partir do meio-dia,
havia bebido umas cervejas, ouvido música, sentado na varanda observando transeuntes pela calçada, que lhe pareciam mulambos humanos a tremular, sob o efeito ótico causado pelos raios
solares, refletidos no asfalto em brasa, no início da tarde.
As crianças correndo e gritando sem razão, cachorros que zanzavam em buscas de restos, senhoras apressadas e senhores despreoucupados, nos seus passos largos, certos do almoço que lhes esperavam em casa. La adiante, um menino empurra um carro de reciclagem, e, em cada lixeira, mergulha metade do corpo em busca de garrafas vazias, latinhas de cerveja e refrigerante, joga-lhe as suas latinhas vazias e recebe um sorriso sem dentes, rasgado numa carinha sofrida e bronzeada em excesso...
Gatos perseguem pássaros distraídos na busca por migalhas no canteiro central.
A tarde vai caminhando lenta ao sabor amargo da cerveja e no ritmo da música triste que embala sua melancolia, o alcool na corrente sanguínea, vai chegando ao cérebro e fazendo seus mimos, transformando o medo em piada e o tédio em riso, vestindo de alegria a solidão, enchendo de desejos o vazio que domina sua existência. Mas, a euforia dos primeiros momentos, cede ao desânimo e ao peso da saturação etílica no cérebro e o que era diversão e riso se transforma em tristeza e choro...hora de dormir, afogar-se no mar do sono, fugir desse mundo em busca das sombrias paragens dos seus sonhos.
Desta vez, ele se depara no meio de um pântano, uma semi-escuridão, água escura, pesada, uma vegetação curta, chegando, no máximo, a metade do seu corpo, não escuta qualquer ruído, qualquer som que denuncie, outro ser, nem mesmo insetos, as plantas a sua volta, cinzas, parecem estalactites saindo da água, sem movimento, sem cheiro, mortas, petrificadas. Não lhe ferem e nem atrapalham sua passagem, e ele vai sempre em frente, sem saber para onde e nem o porquê da sua jornada. A sua volta tudo é pântano, não há horizonte, o céu é escuridão sem estrelas, sem astros, ele apressa o passo, dispara uma corrida desesperada, precisa chegar, precisa sair daquele pântano!
Ele continua correndo, estranhamente não se cansa, suas pernas não doem, seu corpo parece imune a qualquer dor e a água que é lançada, pela força dos seus pés, em forma de respingos no seu rosto, são como pedrinhas minúsculas de vidro, não molham, resvalam. No entanto, uma angústia sem tamanho, um aperto no peito, uma sensação sem precedentes, lhe invade a mente, uma solidão sem consciência, uma empreitada sem sentido, sem rumo ou nexo. Ele acelera mais e mais, as hastes das plantas passam sem sons pelo seu corpo, seus olhos buscam inutilmente uma luz, um ponto de terra, uma outra paisagem qualquer, que lhe dê a esperança da chegada, que faça valer essa caminhada, qualquer coisa que se justifique não parar, que aqueça o coração, que acalme a razão...
De repente um grito, um latido, ele abre os olhos e vê sua esposa gritando com o cãozinho que teima em latir para uma lagartixa na parede. Era manhã, precisava levantar e ir para o trabalho...
Manoel N Silva.
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